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5 de junho de 2019
Leandro Karnal, texto sobre o amor
Este texto/ artigo de Leandro Karnal falando sobre o amor e relacionamentos amorosos na verdade é uma entrevista com o professor que foi publicada na edição de maio de 2019 da revista impressa do Shopping Cidade Jardim, de São Paulo, SP.
Estamos publicando o conteúdo aqui para que mais pessoas tenham acesso a este conhecimento.
Amores Imaginários
Por Chantal Sordi
Revista Shopping Cidade Jardim
Edição de Maio de 2019
Que as redes sociais mudaram a forma como interagimos com o mundo, todos já sabemos. Mas, será que isso é bom? Estamos amando menos e querendo cada vez mais? Como ficam nossos sentimentos em tempos de wi- fi? O processo de amadurecimento mudou com os avanços da tecnologia e da internet? Viramos stalkers da vida alheia? A culpa é dos aplicativos? E os memes? Estas e outras questões fazem parte de um bate-papo exclusivo que a revista CIDADE JARDIM teve com um dos maiores pensadores do Brasil, o professor e historiador Leandro Karnal, para tentar compreender melhor o mundo ultraconectado em que vivemos. Confira.
Pergunta – O conceito de amor mudou com as redes sociais?
Resposta – Ele muda sempre. Amor não é um conceito universal. A sua vivência é histórica e vivida de forma muito diferente em cada época. A atual geração, por exemplo, ama de maneira mais virtual e menos presencial. Considera a mensagem de rede social como um substitutivo suficiente para o contato físico, coisa que a minha geração não considerava. Costumava ser deselegante não enviar uma mensagem pessoal em um aniversário. Hoje, um texto no WhatsApp é suficiente. Há uma mudança: menor presença física, maior rapidez e maior impessoalidade e velocidade, inclusive no amor.
Pergunta – Como essa velocidade afeta as relações amorosas?
Resposta – Há uma sensação de que antes havia mais romance. O amor romântico, no sentido histórico, sempre resultou em tragédia. Não vejo romantismo como um amor superior; nem historicamente, no Romantismo, nem quando se usa a palavra no sentido usual do termo, de mais amoroso etc. Toda vez que afirmamos isso, há uma melancolia de um amor mais perfeito que existia no passado, e não existe. Os casamentos duravam mais porque a perspectiva de um divórcio era menos acessível. Diziam que seria para sempre, porque não podiam dizer outra coisa. Não vejo que um amor que dure 20 anos seja melhor do que um de 20 dias, e acho que essa postura é de quem tem um modelo que nunca existiu. Hoje, as relações estão rápidas, e a minha crítica ao amor atual não é sobre sua duração, nem ser, ou não, romântico. É que, em geral, as relações terminam por defeitos que não são dela, nem do amor, mas pelo fato de que não aguentamos nos ver refletidos no outro. No momento em que estou namorando, começo a gastar meu encanto, e isso vai rápido. Após três meses, é pouco provável que eu tenha algo novo a dizer, então digo que o amor acabou, mas, na verdade, já não me aguento mais e o outro se torna uma testemunha da limitação do meu ser, daí, troco de parceira com a expectativa de mudar de público, para que eu volte a me sentir interessante.
Pergunta – Com as redes sociais, parece que nem a esse nível as pessoas querem chegar.
Resposta – Já termina antes mesmo de começar. Isso é bom, assim não se criam expectativas. A expectativa é inimiga brutal do amor. Não vejo nenhuma ocasião do passado em que o amor fosse mais sério ou mais importante. Eu acho, sinceramente, muito bom que as relações possam terminar por WhatsApp. O amor deve ser uma alavanca para o crescimento e, acima de tudo, deve preservar a autonomia de cada um. Somente pessoas completas, autônomas e maduras podem amar. Fico com Carlos Drummond: amor é privilégio de maduros.
Pergunta – Com o surgimento dos aplicativos de namoro, parece que não existe mais a possibilidade de conhecer alguém na vida real. Como isso nos impacta?
Resposta – A gente costuma atribuir aos aplicativos ou à internet uma questão que não tem a ver com eles. O aplicativo responde a uma demanda de mercado, ele não a cria. Não é só o corpo que queremos sem contato. Queremos a comida pronta sem cozinha e cozinheira. As coisas têm de ser imediatas. As pessoas elegem gurus para que digam a elas o que pensar, e não o processo de ler. Elas querem psicologias positivas e que o processo de terapia dure, no máximo, três meses. Não é só o aplicativo de namoro. Mas, aí vem outra questão: encontrar pessoas baseando-se em fotos e manifestações sexuais parece nos reduzir a um mercado mais de carne. Se é o que você busca, não há problema algum. Na minha percepção, de homem mais velho e de outra geração, isso cansa. É como acreditar que você precisa, possa ou deva substituir a qualidade pela quantidade. Acho que a qualidade é extremamente superior, mas existem vários modelos.
Pergunta – E o conceito de voyeurismo? Mudou com a internet?
Resposta – Há 80 anos, buscávamos informações com a tia da janela na praça da matriz. O ramo da fofoca se transformou na rede social, mas sempre foi uma característica nossa. Porém, não é apenas o voyeur que se desenvolve por causa das redes sociais. Desenvolve-se também aquele que tem prazer em ser visto. A pessoa que publica a todo instante tudo o que faz. Então, temos de ver isso como um vetor de ida e volta: crescem os interessados em tudo aquilo que acontece na vida da Anitta, do Neymar ou da Bruna Marquezine, mas cresce também, em cada Neymar e Bruna, a vontade de se expor ao mundo permanentemente e logo em seguida criticar, como todos já criticamos, dizendo que o mundo está muito perseguidor. Há uma maneira de não ser perseguido: delete as redes sociais, leve uma vida obscura, não procure ninguém e você será esquecido numa rapidez incrível.
Pergunta – Essa superexposição nas redes sociais parece ter criado uma espécie de realidade paralela.
Resposta – As palavras Instagram, Facebook e verdade não têm nenhuma relação, nem de parentesco distante. Rede social não tem nenhuma proximidade da ideia de real. É preciso deixar isso bem claro. É uma realidade teatral, pública, de propaganda. Mostramos a vida que gostaríamos de ter, em um duplo processo: o de convencer o outro de que a nossa vida é interessante e, mais importante, nos convencer. E, como temos uma fraqueza narcísica, queremos likes porque eles comprovam esse valor. Assim, validamos nossa vida e por isso a insistência obsessiva na exibição. Não há problema nisso, desde que as pessoas não acreditem nisso.
Pergunta – Mas as pessoas parecem acreditar e isso tem gerado um certo ranço dos influencers digitais com suas postagens de vida perfeita. O que acha disso?
Resposta – Se você acredita nas fotos do Insta dos outros, você merece ser infeliz. A infelicidade é o seu destino e, parabéns, você tem o mundo que merece. Se você acredita que uma menina aplicou X reais e ganhou um milhão, você merece perder dinheiro. Se vê a foto de um cara que tinha 120 quilos, tomou um chá e ficou definido em um mês, você merece perder esse dinheiro, porque você é idiota e o dinheiro odeia idiotas, ele foge deles. É uma escolha sua acreditar nisso, mas é muito imbecil. É preciso o mínimo de maturidade para entender que publicamos a vida que vivemos de um jeito que gostaríamos que fosse vista, e isso acontece há muito tempo na sociedade. Quando o casal Arnolfini encomenda a Jan van Eyck o famoso quadro “Casal Arnolfini”, que hoje está na National Gallery, em Londres, isso já é o primeiro grande Photoshop da história. Estamos há mais de 600 anos nos perguntando o que esse casal quer mostrar. Não são as dificuldades da noite de núpcias ou da convivência, e, sim, um ambiente bonito, com decoração sofisticada etc. Essa é a primeira publicação de um grande Instagram da época de van Eyck.
Pergunta – A tecnologia está mudando a maneira como amadurecemos?
Resposta – Sim. Sigo McLuhan, grande teórico da comunicação, de que o meio e a forma, a palavra e o sistema, a técnica e a maneira do conteúdo estão interligados. Se estou digitando palavras mais curtas, meu pensamento e sua forma criam outra estrutura, completamente diferente. É distinto escrever com caneta tinteiro ou digitar. Ao escrever com tinteiro, é preciso desenhar a letra, e este processo é mais lento, de uma forma que o meu cérebro acompanhe a escrita. Ao digitar, o cérebro não precisa ir na velocidade da escrita. Ela entra em um caráter automático, diferente. A tendência do mundo é sintetizar. O cérebro se transforma nas redes sociais. Não se trata mais de um hábito e, sim, de uma formação cerebral distinta. Uma pessoa hoje, de 7 anos, tem um tipo de sinapse diferente da que eu tenho. Não é bom nem ruim. Apenas diferente.
Pergunta – O que acha dos memes?
Resposta – Eles contêm uma mensagem rápida, forte, muito significativa e, na maior parte das vezes, bastante criativa. Tudo aquilo que tende a concentrar a mensagem de uma forma leve e, ao mesmo tempo, significativa tem sucesso. Por exemplo, pichação é uma coisa que existe há séculos, assim como os desenhos satíricos. Os memes são muito bons, e essa capacidade de criticar com conteúdo é interessante. O meu problema com eles é a quantidade que vem sendo enviada, e aí entra uma questão de etiqueta. Verifique se a pessoa quer receber, ou se ao menos respondeu com o símbolo do potássio (kkk). Se ela fez isso, há interesse. Se não o fez, respeite e não invada o espaço do outro.
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